Os conflitos prejudicaram processos de produção, logística e abastecimento - especialmente na Europa -, com consequente inflação e avanço nos preços de itens básicos.
A economia brasileira, por outro lado, reagiu bem aos impactos da guerra. Apesar dos reflexos nos combustíveis - resultado da disparada do preço do petróleo no exterior (entenda mais abaixo) - , a balança comercial brasileira teve um resultado positivo em 2022 e registrou um superávit (valor das exportações maior do que o das importações) recorde de US$ 62,3 bilhões, 1,5% maior que o registrado em 2021.
Isso porque as barreiras impostas por sanções econômicas contra a Rússia fizeram os países rearranjar suas fontes para importação de commodities, o que acabou beneficiando o Brasil. Com isso, o país ampliou sua área produtiva de trigo e viu a exportação de milho disparar – os dois grãos estão entre as principais commodities exportadas pela Ucrânia.
Diante desse cenário, o g1 conversou com especialistas para entender os impactos que ainda vemos um ano após o primeiro ataque de Moscou a Kiev – e o que podemos esperar daqui para frente.
Por que e de que forma a guerra atinge o Brasil?
O mundo ainda travava uma batalha intensa contra a Covid-19 quando a guerra fora deflagrada. No Brasil, a primeira dose de vacina contra a doença havia sido aplicada pouco mais de um ano antes da ofensiva russa contra Kiev.
Naquele fevereiro, portanto, o Brasil já tinha uma inflação alta devido à pandemia, com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 10,54% no acumulado de 12 meses.
Para tentar conter a alta dos preços – ainda sob impactos da Covid-19 –, o Banco Central do Brasil (BC) já vinha aumentando a Selic, a taxa básica de juros brasileira, desde março de 2021, quando passou de 2% a 2,75% ao ano. A partir dali, foram sucessivas altas.
O aumento nos juros é um mecanismo utilizado pelo BC para controlar a inflação. Selic alta significa crédito mais caro, com efeitos diretos sobre a atividade econômica, que tende a desaquecer. Efeito cascata, que chega ao bolso do brasileiro.
Por aqui, a taxa de juros já era de 10,75% no mês do primeiro ataque russo, e saltou 3 pontos percentuais nas três decisões seguintes do Comitê de Política Monetária (Copom), chegando aos atuais 13,75% ao ano.
Qual o impacto da guerra nos preços?
Um levantamento feito pelo economista-chefe da Neo Investimentos, Luciano Sobral, mostra que os efeitos da guerra não atingiram com tanta força a economia brasileira. Os principais produtos impactados, derivados do petróleo e do trigo, não tiveram reflexo relevante no IPCA.
O economista destacou:
Petróleo:
Trigo:
São itens derivados de duas das três commodities mais atingidas pela guerra: o petróleo, o trigo e o milho – este último considerado um substituto do trigo. O milho, no entanto, tem pouco peso no IPCA, o que exclui grandes impactos da commodity no mercado interno.
De acordo com Sobral, o efeito total desses dois grupos de itens foi de apenas 0,5 ponto percentual na inflação brasileira de janeiro de 2022 a janeiro deste ano.
“Se não acontecesse nada disso que a gente conversou [efeitos da guerra], o IPCA do período teria sido de 6,3%, e não de 5,8%”, conclui.
Os produtos derivados da farinha, por sua vez, tiveram alta de 29% de janeiro de 2021 a janeiro de 2022 - aumento que pode ser explicado, em parte, pelos efeitos da guerra. O pico foi registrado em maio, com alta de quase 50%. Os preços começaram a cair em agosto, retornando praticamente ao pré-guerra.
“De um lado, o trigo subiu e voltou [ao valor anterior]. Já o preço dos derivados ainda não. Isso pode ser efeito da guerra ou podem ser outros fatores. Mas são itens que subiram bastante e ainda não voltaram dentro do IPCA, apesar de a matéria prima já ter voltado”, analisa.
Sobral destaca a gasolina como o produto mais impactado quando considerado o preço final ao consumidor. O levantamento do economista aponta alta de 10% no preço do combustível de janeiro a maio de 2022, devido ao choque do petróleo.
O barril do tipo Brent chegou a ser vendido por US$ 127,98 em março daquele ano, uma alta de 40% se comparado com janeiro, quando atingiu, no dia 31, a máxima de US$ 91,21 o barril.
Os preços, no entanto, foram se acomodando na medida em que o petróleo ficou mais barato – atualmente na casa dos US$ 80 – e que houve uma redução de impostos sobre a gasolina no Brasil.
Combustíveis mais baratos
Em junho, o ex-presidente Jair Bolsonaro sancionou, com vetos, o projeto que limita o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre itens como diesel, gasolina, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo.
“A gasolina sofreu o impacto mais óbvio. Como, até o ano passado, era claro que a política de preços da Petrobras era repassar o preço do mercado internacional, [o impacto] foi, de fato, na veia: o petróleo subiu, a gasolina subiu e, como estávamos perto de eleições – gasolina é algo que as pessoas consultam com frequência e se importam –, foi feito esse movimento para baixar o preço via queda de impostos”, comenta Sobral.
A isenção de impostos federais sobre a gasolina foi renovada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas tem prazo para expirar em 28 de fevereiro. A renovação ou não do prazo ainda será definido pela nova gestão federal.
Os impactos seguiram o mesmo rumo quando considerado o gás de botijão.
“A conclusão é que a guerra afetou por pouco tempo [os preços no Brasil]. Esse efeito foi mitigado, no caso do combustível, por ação do governo”, diz. “A gasolina teria impactado, mas não impactou porque caiu o imposto.”
Luciano Sobral também ressalta que, após queda nos preços via isenção de impostos e redução do valor do barril de petróleo, o resultado dos combustíveis ajudou a reduzir o IPCA.
“O preço da gasolina no ano passado caiu 25%. A queda do imposto compensou mais do que o petróleo tinha subido, no fim das contas”, analisa.